Urilda Soares, 30 anos de NETI/Unapi: Aproveitar tudo que a vida oferece e saudades de um NETI que se "perdeu" compõem memórias
O centro de Florianópolis ferve nas tardes de Sábado, especialmente na Rua Vitor Meirelles. Começa com o Chorinho das Mulheres, segue com samba e vai noite a dentro. Em frente à Kibelândia, tradicional restaurante da rua, sentada em uma cadeira de plástico e atenta a tudo o que se passa no entorno, está Urilda Coutinho, fundadora do restaurante, hoje administrado por sua filha. Apreciadora de boa música e de festas, Urilda descreve tudo o que acontece ali como "muito lindo". Ela conta que o público vai mudando no decorrer do dia e que é muito bom acompanhar a diversidade que a rua recebe.
No último dia cinco de Agosto, Urilda completou 30 anos de NETI-Unapi. Formou-se no curso de Monitores em Gerontologia no ano de mil novecentos e noventa e sete, participou do CENETI desde a sua criação, é membro do Grupo Abelhinhas Artesãs e do Coral Vozes da Ilha. Ativa como conselheira do CENETI, não perde uma atividade proposta pelo Centro de Estudantes, sejam oficinas, festas ou passeios. Sua história se mistura com a do NETI-Unapi. Urilda é fonte de inspiração, modelo a ser seguido. É um privilégio conviver com ela e com sua eterna vontade de aprender e de compartilhar conhecimento.
No dia 21 de Agosto, sentamos com ela para olhar os álbuns de fotografia que registram seus trinta anos no NETI-Unapi e ouvir um pouco das histórias que tem para contar. A conversa continuou no dia 28 de Agosto.
Por Beth Goidanich
Atenta a tudo que é "muito lindo" |
Casamento com Soares: Duas filhas e belas histórias com a Kibelândia
Urilda nasceu em Florianópolis, na Rua Conselheiro Mafra, "a casa está lá até hoje". A família vivia no andar de cima e o pai tinha uma barbearia no andar de baixo. Caçula de sete irmãos, aos dezesseis anos conheceu Soares, seu marido. Estava na Praça XV, esperando pelo "carrinho de cavalo para ir para a casa do meu irmão", quando ele passou em uma Rural, parou e disse "eu dou um ano da minha vida pra beijar a sua boca". Cada um seguiu seu caminho naquele dia e seis meses depois se reencontraram na Praça. Aos 19 casou-se e foi morar em Minas. Ficou lá quatro anos, sua primeira filha, Cristina, é mineira. De volta a Florianópolis, formada em Economia "no Jacaré"*, foi trabalhar em um escritório de advocacia por indicação do irmão. A experiência não foi boa e ela decidiu nunca trabalhar para alguém. Esteve sempre envolvida com comércio, "os melhores comércios da cidade eram da família".
"Minha história é muito legal!", conta animada
Depois de alguns anos em Floripa com o marido, decidem montar a Kibelândia em sociedade com um árabe, Vitor, cujo quibe Soares admirava. Vitor entrou com o trabalho e com Bahiana, a cozinheira. O casal pediu ajuda a familiares, empréstimo em banco e adquiriu o imóvel em que antes funcionava uma mercearia. Adquiriu decoração e equipamento e, em seis de janeiro de mil novecentos e sessenta e sete, inaugurou o restaurante, cuja especialidade era e ainda é um misto de comida árabe e mineira. A segunda filha, Claudia, nascera um ano antes. Em mil novecentos e sessenta e oito, Vitor "arrumou uma namorada" em Tubarão. Soares escrevia as cartas de amor, pois Vitor não sabia escrever em português. Vitor casou-se, Soares e Urilda compraram a parte dele, Bahiana ficou. Trabalharam juntos até quinze anos atrás, quando passaram para a filha Cristina a administração do estabelecimento. Soares viria a falecer cinco anos depois.
Junto com a filha Cristina, recebendo homenagem pelos 57 anos da Kibelândia (foto publicada no ND Mais, em 10/08/2023) |
Aos 56 anos, já aposentada formalmente, mas ainda trabalhando com Soares na Kibelândia, Urilda inicia suas atividades no NETI, como aluna do Curso de Monitores em Gerontologia, acompanhada por sua irmã. "Mas tinha um professor que era muito louco, o Rui, ele dava uns pulos. Minha irmã disse 'eu não vou ficar louca' e saiu. Eu fiquei."
Intercâmbios estão entre as melhores lembranças
Entre as melhores lembranças que tem do NETI estão os intercâmbios de que participou. Segundo Urilda, foi na experiência de visitar cidades do interior do Estado de Santa Catarina que aprendeu muito sobre o que é a vida. "Aquelas pessoas lá do oeste saindo de charrete, de carroça, a pé, a cavalo para assistir duas pessoas que nem conheciam." Fez intercâmbio em vinte e cinco municípios.
"Nas cidades, nós trabalhávamos com Grupos de Idosos. O reitor oferecia e o prefeito mandava um carro buscar a gente aqui. Dependendo do grupo era um trabalho diferente. Nós já íamos preparadas. Eu trabalhava com dinâmicas, a Osmarina conversava. Ficávamos sete dias. Teve município que nós fomos duas vezes", conta.
Os "Intercâmbios Comunitários" eram organizados pelo reitor Pinto da Luz. "Ele que planejava. Ele foi no Fórum com a gente em Salvador, no mesmo avião".
Cantando no primeiro intercâmbio, Bombinhas, 1997 |
Ao falar sobre a sua experiência no NETI, Urilda deixa clara a sua forma de viver: "Na minha vida, eu aproveito tudo o que tem a oferecer. O que tinha, eu embarcava. Aproveitei tudo o que eu podia fazer. Tinha a ginástica, a gente aproveitava muito, viajava muito. A minha vida depois dos cinquenta e muitos foi aqui dentro."
Lamento e festejo habitam mudanças nesses 30 anos de NETI-Unapi
Nestes trinta anos de NETI, agora NETI-UNAPI, Urilda assistiu e viveu muitas mudanças na instituição. De acordo com ela, hoje "é outra coisa. É outra etapa. Era diferente. A gente saía em campo, fazíamos os fóruns. Fomos a Porto Alegre, fomos a Joinville, fizemos um trabalho muito bonito em Itaquera, na Foz do Iguaçu. Era totalmente diferente. Cada coordenadora tem um projeto. O reitor Pinto da Luz era muito bom para o Grupo. A gente ia a todos os fóruns. Desde o primeiro, aqui no Paula Ramos, que foi do NETI, depois Foz do Iguaçu duas vezes, lá em Porto Alegre, Alegrete."
De seu ponto de vista, as mudanças resultam das diferenças entre as pessoas que frequentavam o NETI antes e as que frequentam agora: "Eles gostavam muito, naquela época, de fazer o curso de Monitoras. Hoje não. Hoje gostam mais assim, pouca coisa (referindo-se à série de conversas "Posso ser Feliz?" oferecida pelo CENETI, com sete encontros). Mais assim, curto. Mudou muito, sabe?"
Em alguma medida, lamenta as mudanças, ao mesmo tempo em que festeja os aprendizados e encontros que o NETI proporciona. "Eu acho que o NETI perdeu o que tinha. Aquilo que eu vivi, perdeu. Não é mais aquilo. Para o pessoal que tá agora, é positivo. Pra nós, para aquele pessoal que estava aqui comigo, eles reclamam. São muitas lembranças. Lembranças boas. E agora tem que viver o que tem. Vivi coisas boas. Aprendi muito. Foi muito bom pra mim. Muito bom! Encontrei a Osmarina. Te contei a minha história com a Osmarina?"
A história com a Osmarina: quando Urilda tinha cinco anos, a mãe de Osmarina, que era passadeira, trabalhava na casa em frente à dela. Osmarina, então com quatorze anos, atravessava a rua e vinha cuidar de Urilda. Dava banho, penteava o cabelo, ensinava a ler e escrever. Com o tempo, a mãe de Osmarina parou de trabalhar naquela casa e nunca mais se viram. Quando Urilda tinha quinze anos, seu irmão fazia teatro. Ela, a mãe e as irmãs iam assistir. Lá descobriram que Osmarina trabalhava com o irmão de Urilda. Urilda conta que Osmarina gostava de Ury, seu irmão, que ela chamava de Jair. O tempo passou, o grupo de teatro acabou e trinta anos depois, Urilda reencontrou Osmarina no Curso de Monitores em Gerontologia do NETI. Foram colegas, são amigas, trabalharam juntas.
Compartilhar conhecimentos: legado deixado pelo pai tornou-se projeto de vida
Urilda contou muitos detalhes de sua vida, passagens com o pai que lhe ensinou o valor do conhecimento: à noite, depois que as luzes apagavam, ele acendia uma pomboca** e lia em voz alta para os filhos. Urilda ficava quietinha ouvindo. São muitas histórias da infância e da juventude ligadas às atividades políticas do pai, dos irmãos e à casa onde cresceu.
A satisfação que Urilda sente ao compartilhar conhecimentos, como nos intercâmbios que fazia pelo NETI, sempre esteve presente em sua vida. "Tu sabes que a minha família teve os melhores bares e restaurantes da cidade e meu cunhado abriu um restaurante que se chamava Cristal Lanches, era lá no centro, na Jerônimo Coelho. Lindo. Eu fui trabalhar com ele. Eu tinha dezessete anos. Nossa! Às cinco horas eram só aquelas mulheres ricas, mulher do governador. Era o chá das cinco, servido em bule. Ele tinha sete empregados e trouxe todos de Paulo Lopes. Eles vinham servir o exército e ele botava pra trabalhar. Ninguém sabia ler. Vinham da roça. Não sabiam fazer a comanda. Depois do almoço, eu sentava numa mesa redonda pra ensinar a ler, a escrever a comanda. Faz uns quinze dias encontrei com um. Já está velhinho, né? Me abraçou. Minha professora! E ficou naquela alegria. Ele disse, eu devo a essa mulher. Isso é muito gratificante!"
Com o Grupo "As Frenéticas", das amigas do NETI, no show das Frenéticas. Convidadas para o palco, 2011
Alegria contagiante: uniforme do Coral Vozes da Ilha e Pins marcam sua trajetória |
Na cadeira de acessibilidade do ônibus, passeio de Angelina, em 30 de Agosto último. "Na minha vida, eu aproveito tudo o que tem a oferecer" |
* Interessante voltar na História do Ensino Superior de Florianópolis:
A Casa José Boiteux, na Avenida Hercílio Luz, foi conhecida durante muito tempo como “Academia do Jacaré”, porque ali abrigou durante mais de quatro décadas a Academia do Comércio, parte do Instituto Politécnico criado por José Arthur Boiteux e dirigida por um professor (Jorge José de Souza) que tinha o apelido de Jacaré. (Fonte ND, 23/07/2016, consulta online)
** Pomboca é lamparina à óleo ou querosene no dialeto ilheu.
Reportagem e Redação: Beth Goidanich
Fotos: Acervo pessoal de Urilda Soares
Bom dia parabéns pelo registro da fala da nossa,Querida Urilda no registro da sua trajetória junto ao NETI( De ontem de hoje e do fututo)
ResponderExcluirMuita vida em todo esse registro
Parabens só Blog que sempre valoriza esses relatos das dua integrantes
Salve a nossa eterna cantora setestrira bjosxe ssudDes
Quis dizer SAUDADES..
ResponderExcluirMaravilha saber sobre a intensa e rica vida de nossa querida Urilda e poder conhecer particularidades de “nossa” Floripa através dos relatos nesta excepcional entrevista ❤️
ResponderExcluir