Palestra sobre Economia Solidária e Empreendedorismo Social lotou Observatório Social de São José, na Grande Florianópolis


Imagine-se vivendo numa sociedade regida pela Economia Solidária, centrada em fatores humanos, na cooperação, no interesse coletivo e que seja conduzida por meio de autogestão e administração democrática... Pense em como seria fazer parte de uma empresa “solidária”, em que as relações ocorrem de forma horizontais, a partir de decisões coletivas, longe do que é praticado na sociedade capitalista, onde prevalecem os interesses individuais,  a hierarquia e a subordinação... Pense em como seria trabalhar numa empresa em que sócios e sócias não recebem salários, mas sim retiradas, em que prevalece o poder de seus associados em detrimento de acionistas...
Você não estará sonhando! A Economia Solidária é uma realidade no Brasil, vem crescendo de adesão e ganha visibilidade em Santa Catarina através de entidades voltadas ao exercício da cidadania no campo do controle social, como é o caso do Observatório Social de São José, que escolheu o tema “Economia Solidária e Empreendedorismo Social” para abrir um ciclo de palestras gratuitas e abertas à comunidade, durante Agosto e Setembro.



Para falar sobre o tema, o Observatório convidou a professora Leila Andrésia Severo Martins, mestre em Educação e Cultura pela Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC e  coordenadora da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares-ITCP/Univali. Leila Martins conceituou Economia Solidária, falou sobre o pioneirismo desse movimento econômico em Santa Catarina, especialmente na Região da Foz do Rio Itajaí e apontou conquistas e desafios a serem vencidos pela Economia Solidária em âmbito nacional.
Além de coordenar a Incubadora Tecnológica, a professora preside a Mesa Diretora do Conselho Estadual de Economia Solidária de Santa Catarina. Em 2017,  coordenou o livro “Tecendo redes de solidariedade uma aposta de fortalecimento da Economia Solidária na região da Foz do Rio Itajaí/SC", em parceria com Fabiana  Oliani e Cristiane Riffel.

Você sabe o que é Economia Solidária?


A professora abriu a palestra apresentando a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares -IPTC da Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI, programa permanente de extensão universitária, criado em 2007, e vinculado à Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura. Falou da missão da IPCT, de seus objetivos e grupos atendidos e na sequência testou o público que foi ao Observatório de São José prestigiar a abertura do Ciclo de Palestras.
“Vocês sabem o que é Economia Solidária?”, cutucou, para dar a resposta de forma pausada e didática, mas aguçando ainda mais a curiosidade do público. 
“Economia Solidária é uma nova forma de produção e consumo com foco na cooperação, no cuidado com o meio ambiente, na autogestão e inclusão social. É baseada em relações justas e solidárias: é a perspectiva que as pessoas tem de se juntarem para fazer um trabalho e de fazerem renda”, explicou, observando que nesse jeito diferente de produzir e comercializar o que precisamos, os próprios trabalhadores são os donos do seu negócio.
De acordo com Leila, existem várias práticas de economia solidária, entre as quais economia sócio-econômica solidária; humanoeconomia; economia popular e solidária e economia de proximidade. “São práticas de relações econômicas e sociais que de imediato garantem a sobrevivência e a melhoria de qualidade de vida das pessoas em diferentes partes do mundo”, explicou, observando que no Brasil estatísticas recentes apontam a existência de 32 mil empreendimentos que trabalham dentro dessa perspectiva, na sua maioria cooperativas (algo próximo a 23 mil).







Interesse coletivo é o que mais pesa

De acordo com a palestrante, a Economia Solidária tem sustentação em 10 princípios – autogestão, democracia, cooperação, centralidade no ser humano, valorização da diversidade, emancipação, valorização do saber local, valorização da aprendizagem, justiça social e no cuidado com o meio ambiente - e estabelece novas relações comerciais, sociais e ambientais. “O ser humano, as pessoas, o bem estar, o bem viver das pessoas é o que mais importa no processo. O fundamento principal da empresa solidária é a geração de trabalho e renda. Não a geração de lucro”, enfatizou.





Do ponto de vista das relações sociais, o que mais pesa, segundo Leila, são os interesses coletivos, em detrimento dos interesses individuais. “Este é um grande desafio para uma sociedade como a nossa,  em que prevalecem os interesses individuais”, ponderou, para citar também a proposição de uma nova relação ambiental. “A Economia Solidária sustenta que a produção, comercialização e consumo de bens e serviços seja acessível a todos; valoriza a cooperação econômica social  e ambiental, sem exploração ao próximo e com uso coerente dos recursos naturais. A ideia é que a partir dessa cultura possa se desenvolver uma relação mais próxima com o meio ambiente”, enfatizou, dizendo que uma atividade desenvolvida este ano, dentro do conceito de Economia Solidária, foi o Brechó, a partir do aproveitamento de roupas, calçados e outros objetos que as pessoas descartam.



Apesar dos avanços, Brasil ainda engatinha. Politica Nacional de Economia Solidária se faz necessária

Leila citou Paul Singer, economista e professor brasileiro nascido na Áustria, para falar da trajetória da difusão da Economia Solidária no Brasil – “ele foi um grande batalhador da ECOSOL”, falou da contribuição de movimentos como o Fórum Social Mundial de 2001, em Porto Alegre/RS, da criação da SENAE, em 2003,  da luta pela mobilização em Santa Catarina nos anos seguintes – 2003, 2004 e 2005 – e disse que começou a atuar na Economia Solidária em 2007, com a criação da IPCT/Univali.
“Chegamos a ter três Conferências no Brasil, mas precisamos avançar. Ainda somos bebezinhos, estamos engatinhando. A Economia Solidária precisa ser priorizada, ainda mais nesse contexto sócio-econômico que estamos vivendo agora”, admitiu a professora da UNIVALI. De acordo com ela, “a adequação das Cooperativas, por exemplo, ainda é um problema.  Também não há uma formação de personalidade jurídica que de fato abranja a economia solidária”, pontuou.
Observou que “a Política Nacional de Economia Solidária está em fase de formulação, mas que esse é um processo de muita luta. Havia um referencial para essa briga, um status. Com a desarticulação da SENAE, a Economia Solidária passou a ser uma pasta dentro do Ministério da Cidadania. Essa é uma carência que precisamos redefinir. Foi uma verdadeira curva ladeira abaixo”, lamentou a palestrante.

Atividades e segmentos de atuação da Economia Solidária no Brasil


Mas, foi na Organização da Economia Solidária, que engloba atividades econômicas, organizações solidárias, segmentos de atuação, atividades de apoio e fomento (incubação, assessorias técnicas e organizativas) e atividades de gestão pública (elaboração, execução e implementação e coordenação de políticas públicas de economia solidária), que a palestrante exemplificou como se dá esse processo. As atividades econômicas envolvem desde a produção de bens, prestação de serviços e financiamentos solidários à comercialização justa e consumo solidário. As organizações solidárias, por sua vez, abrangem cooperativas, associações, empresas recuperadas, grupos solidários, redes solidárias, clube de trocas e empresas solidárias. Entre os principais segmentos de atuação tem destaque a agricultura familiar, saúde mental, produção de alimentos, artesanato, reciclagem e prestação de serviços dos tipos mais variados.
“O maior exemplo de feira consolidada em Economia Solidária é a Feira Internacional de Santa Maria/RS, realizada anualmente”, relatou Leila Martins, numa referência à feira promovida de 11 a 14 de julho último e que reuniu milhares de visitantes.

CEPESI, de Itajaí, é referência em Comercialização Solidária

De acordo com a palestrante, nesse processo de organização da Economia Solidária, a rede de  Gestores tem especial importância. “A Rede é uma articulação de gestores de Prefeituras e governos estaduais e existe para proporcionar intercâmbio, interação, proposição de políticas públicas e governamentais e realização de projetos comuns para fomento e desenvolvimento da economia solidária buscando qualificar ações desenvolvidas a partir dos órgãos de governo”.
Como exemplos de comercialização solidária na Regional do Litoral Norte, citou a criação do Centro Público de Economia Solidária de Itajaí-CEPESI, em 2006, considerado referência nacional por possuir autogestão completa e a Feira Universidade Ecosolidária de Itajaí, organizada em 2009, pela incubadora da Univali. O CEPESI reúne salão de beleza, serviço de costura, artesanato,  brechó, livraria e feira de orgânicos sendo que todos esses serviços são empreendimentos da Economia Solidária.
Na região da Grande Florianópolis citou o Empório da Economia Solidária, no Mercado Público da Capital; Feira Parque Ecológico de Córrego Grande; Feira Universitária Ecosolidária Univali; Mostra no Shopping Itaguaçú; Feira na Rua Francisco Tolentino e Feira do Campeche.
“Nesses 10 anos fizemos um trabalho forte de conscientização, de divulgação da Economia Solidária”, disse Leila, observando que a Incubadora Tecnológica-ITCP tem priorizado a incubação de cooperativas solidárias e de empreendimentos de base social. Como exemplo citou a atuação da ITCP na articulação da Rede de Cooperativas de Catadores da Foz do Rio Itajaí; na COOPERITAPEMA, de Itapema; COOPERMAR, de Balneário Camboriú e na RECINAVE, de Navegantes. A incubadora também tem atuação relevante junto a Grupos de Alimentação - Feiras orgânicas em Itajaí e Revolução dos Baldinhos- e em Espaços de Políticas Públicas como Fóruns Regionais Litorâneos e de Florianópolis.



Papel da ICTP e desafios a serem vencidos

“O papel da ICTP nesse processo tem sido fortalecer a Economia Solidária como um todo; atuar na perspectiva de inclusão – trabalho em redes – e de espaço de mobilização e integração”, disse a palestrante, listando uma série de desafios a serem vencidos para consolidação da Economia Solidária no Brasil. Entre eles estão a Sensibilização dos Empreendedores sobre a importância das políticas públicas, o processo de Empoderamento dos Empreendedores e a participação em espaços que ampliam a visão dos empreendedores.
“Os empreendedores não tem que estar somente no espaço da Economia Solidária. Precisam estar, também, em espaços como o da Saúde e da Mulher. A ideia é que a Economia Solidária traga esse empoderamento, que a pessoa possa atuar como cidadão. Temos que ressignificar as nossas ações, pensar em como fazer tudo de forma solidária”, defendeu Leila Martins, que após deixar duas questões para reflexão – Como é a inter-relação social da nossa economia? Estamos conseguindo satisfazer as necessidades elementares de todos os cidadãos? – buscou inspiração no educador e filósofo pernambucano, Paulo Freire, para finalizar sua palestra: ”Não há saber mais ou saber menos; há saberes diferentes”.







Palestra mexeu com o público, que já pensa nas ações

Durante e ao final da palestra, foram muitas as perguntas. Boa parte dos participantes queria saber como sugerir e implantar nas empresas onde trabalham esse jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar, apresentado pela professora.
Jaime Luiz Klein, Vice-presidente Executivo do Observatório Social de São José, elogiou a palestrante. “A palestra contribuiu muito, superou as expectativas e veio ao encontro dos objetivos do Observatório de estimular a Economia Solidária, principalmente junto ao segmento de Catadores. Essa é uma política pública que deveria ser implementada pelos municípios e a gente não consegue ver priorizada. A ideia nossa é aplicar essa proposta em cima da coleta de lixo. A Economia Solidária, nesse viés, é o que mais se alinha com o Observatório”, destacou numa referência ao trabalho da IPCT/Univali com a Rede de Cooperativas de Catadores.
“A Economia Solidária é muito interessante, já tinha escutado algumas coisas sobre esse sistema. Vamos procurar a professora Leila para nos orientar. A questão animal está  dissociada dos projetos sociais e não pode ficar. Os animais estão presentes em nossa sociedade e não há verbas para projetos nessa área. Temos que buscar orientações sobre como envolver a questão animal dentro da questão social”, expressou Andrea de Melo, coordenadora da ONG ''Instituto Faça o Bem que vc Pode", com sede em São José e atuação na Grande Florianópolis.
“Não conhecia o tema, achei ótima a palestra, principalmente no que se refere às atividades de gestão pública”, disse Athayde Oliveira, administrador, consultor coaching e Conselheiro de Sáude e Educação, de forte atuação na comunidade de São José e presença constante nos eventos promovidos pelo Observatório.


Cecília Godtsfriedt, à esquerda, agradeceu a palestrante em nome do Observatório Social de São José


“Tivemos um público bem eclético; prestigiaram a palestra pessoas de diversos segmentos”, observou Maria Cecília Godtsfriedt, diretora da Escola Observatório Social, a quem coube apresentar o Observatório Social de São José e a palestrante. “Nosso objetivo é educar para a cidadania na conquista da redemocratização e efetividade das políticas públicas”, disse Cecília, observando que o Projeto Pedagógico da Escola está sendo desenhado”.
A professora Leila Martins, por sua vez, expressou reciprocidade com o que ouviu dos participantes: “Também aprendi muito, sou uma eterna aprendiz. O importante é tocar o coração das pessoas para promover a justiça social”, disse ao Blog integraNETI. A palestra da última quarta-feira (14) reuniu cerca de 30 participantes. A próxima será dia 28 de Agosto, com o tema “A atuação do INMETRO”.


Texto e fotos Vanda Araújo

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